Por Carlos Tiburcio
O relojoeiro inglês Stephen Forsey é um dos fundadores, ao lado de Robert Greubel, da Greubel Forsey, uma das mais prestigiadas e exclusivas manufaturas de alta relojoaria. Forsey recebeu a equipe de Relógios & Relógios para uma entrevista quando de sua recente visita ao Brasil.
Em um suíte do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, em um evento promovido pela Sara Joias, Stephen Forsey também exibiu uma amostra muito representativa de sua espetacular coleção, com modelos apresentados pela primeira vez no Brasil.
Relógios & Relógios: De que forma nasceu seu interesse pela relojoaria e como se deu a sua formação na área?
Stephen Forsey: Robert Greubel e eu somos ambos relojoeiros. Greubel nasceu na Alsácia, França e tem trabalhado na indústria relojoeira Suíça por 25 anos. Seu pai possuía uma oficina de reparação de relógios e foi bastante natural que, vendo seu pai trabalhar, reparando e fazendo manutenção de relógios, ele se interessasse pela profissão desde a infância. Robert decidiu-se por se especializar na construção e design de mecanismos.
De minha parte não tenho nenhum relojoeiro na família, mas meu avô era um engenheiro e trabalhou para a indústria automobilística; meu pai sempre foi um entusiasta por carros históricos, então eu cresci em um ambiente com muito contato com a mecânica, o que me influenciou muito.
Mas eu descobri que a relojoaria era uma forma de mecânica mais criativa e artística e isto não teve volta... Tive sorte por contar com o apoio de meus pais em minha escolha e eu fui estudar em uma escola de relojoaria em Londres em meados dos anos 1980, quando não havia um grande interesse pela relojoaria, especialmente na Inglaterra, mas era isto o que eu realmente queria fazer.
Quando deixei a escola comecei a trabalhar na restauração de relógios antigos por 5 anos no centro de Londres e após viajar para a Suíça por diversas vezes surgiu a oportunidade de trabalhar no país e então eu conheci Robert Greubel. Nós nos conhecemos em uma empresa de produção de mecanismos complicados “high-end” chamada Renaud & Papi, hoje parte da Audemars Piguet. Durante os 7 anos seguintes, de 1992 a 1999, nós trabalhamos conjuntamente em muitos projetos.
Em 1999, refletindo sobre o que nós havíamos feito durante aqueles anos e pensando no que poderíamos fazer nos 5 ou 10 anos seguintes, nós percebemos que haviam muitas coisas das quais compartilhávamos a mesma visão. Seguramente nem tudo havia sido inventado na relojoaria e haviam muitos novos assuntos e áreas a serem exploradas, e que não haviam até então sido considerados.
Nós também constatamos que as complicações “high-end” que as pessoas apreciavam cada vez mais precisavam ser confiáveis, e que elas deveriam ser capazes de oferecer a mesma excelente performance que poderia ser esperada de um relógio de produção industrial.
Então nós decidimos fundar a nossa própria empresa, iniciando com muita pesquisa e desenvolvimento, chamada Complitime, a qual ainda existe, mas que não é muito conhecida do público; ela é uma empresa de bastidores, a qual nós divulgamos muito, que trabalha para algumas poucas empresas relojoeiras, desenvolvendo complicações e movimentos especiais, em quantidades muito pequenas.
Com uma pequena equipe e tempo livre nos feriados, finais de semana e à noite, pudemos pensar e estudar um projeto comum próprio, que era o aperfeiçoamento do turbilhão. E após alguma pesquisa sobre como aumentar a precisão de um relógio de pulso mecânico, começamos do zero e decidimos levar o turbilhão literalmente a uma nova dimensão.
Havia muitas ideias que poderíamos explorar se tivéssemos tempo e recursos disponíveis, o que era um problema. Para ir além da teoria e realmente ver o que poderia ser atingido, era necessário desenvolver e testar o mecanismo.
A única que encontramos foi construir alguns relógios e assim a ideia de constituir a Greubel Forsey tomou forma.
Levou algum tempo para que construíssemos o primeiro protótipo e o testássemos, de forma que ele pudesse ser confiável e adequado para ser apresentado a colecionadores. Em Abril de 2004 Greubel Forsey foi apresentada ao público em Baselworld.
R&R: Temos visto atualmente diversas marcas originárias do Reino Unido. Devido à sua origem, o Sr. nunca pensou em ter uma marca Inglesa?
S. F: Quando cheguei à Suíça em 1992, minha ideia era retornar à Inglaterra em um ou dois anos e realmente me estabelecer por lá. Por uma série de motivos, e porque sempre surgiam novos desafios durante os anos 1990, permanecer na Suíça e trabalhar com Robert Greubel me pareceu a melhor decisão.
A Inglaterra tem uma fantástica história, mas quando eu estudava relojoaria, por volta de 1985, havia alguns poucos artesãos com interesse na relojoaria. Contudo, atualmente há maior interesse e mais pessoas dispostas a se arriscar e investir em coisas novas.
R&R: Dos grandes mestres da relojoaria, qual o Sr. considera a sua maior influência?
S. F: É difícil apontar um único indivíduo. Nós sempre procuramos unir o melhor da relojoaria inglesa, francesa e suíça, utilizando por exemplo técnicas de acabamento como o “frosted”, que em 2004 ninguém empregava, estava praticamente esquecida. Essa é uma homenagem que fazemos à relojoaria Inglesa e Francesa dos séculos XVIII e XIX.
No momento eu poderia mencionar nomes como Fromanteel, Tompion e John Harrison, um criador muito talentoso e de enorme importância, um pioneiro cuja obra até hoje é difícil de ser compreendida, com técnicas e abordagens completamente diferentes do que era aceito pela Horologia na época.
Avançando bastante no tempo, chegamos ao século XX e podemos destacar George Daniels, uma inspiração em muitos níveis, pois ele mostrou que era possível para um único homem, um relojoeiro independente, criar um relógio sozinho.
De fato há três grandes nomes contemporâneos, Daniels, Derek Pratt, que infelizmente faleceu há alguns anos, e Anthony Randall, que ainda vive, que se constituíram em grande inspiração para mim.
Eu também menciono Philippe Dufour, a quem encontrei quando vim para a Suíça pela primeira vez, um relojoeiro do Vallé de Joux, uma lenda viva, muito respeitado entre os entusiastas, um defensor das tradicionais técnicas da relojoaria.
R&R: O grande destaque da GF é a pesquisa relacionada ao turbilhão, e recentemente houve a associação de uma função GMT. O Sr. tem intenção de desenvolver outros tipos de complicação?
S. F: A Greubel Forsey completa 10 anos em 2014. Ao longo desse tempo criamos 6 invenções fundamentais, três das quais foram aplicadas a relógios de nossa coleção até o momento.
Em 2013 nós apresentamos pela primeira vez o Double Balancier, um relógio sem turbilhão, com dois escapamentos fixos inclinados, 35o próximo às 5 horas, o outro próximo às 9 horas, inclinado em 35o, deliberadamente posicionados de acordo com a forma com que o relógio é utilizado, para que se obtenha o máximo de precisão.
O posicionamento dos escapamentos não foi orientado pelo design, mas sim o relógio foi desenhado a partir do mecanismo. Nele, nunca os dois escapamentos estarão na posição vertical ao mesmo tempo.
Esse modelo foi exibido no SIHH, e dele serão produzidas 6 peças em ouro branco. Acreditamos que no futuro poderemos adicionar novas complicações a esse mecanismo.
Em 2012 nós exibimos um protótipo em estágio inicial da plataforma EWT, um Calendário Perpétuo, que esperamos em breve ser adicionado a um relógio.
R&R: De que forma se dá a “divisão de tarefas” entre o Sr. e Robert Greubel?
S. F: É uma questão interessante, pois desde o começo nós dividimos muito claramente nossas funções e isso ajuda a compreender a força da Greubel Forsey.
O respeito e a confiança nas funções de cada um nos permitiram produzir tanto ao longo desses 10 anos. O trabalho de Robert é a criação, o design e a arquitetura do movimento. Ele também cuida de nossa estratégia, mas nos últimos anos temos um CEO que assumiu essa função. Minha parte é auxiliar na criação, mas especialmente cuido do lado técnico.
Como o Inglês é o meu idioma nativo, é mais fácil para eu viajar e apresentar a marca mundo afora, pois sempre há muito o que explicar para colecionadores e entusiastas.
R&R: Quantas peças a GF produz hoje atualmente e qual o seus maiores mercados?
S. F: Nossa produção é limitada pela utilização do trabalho manual, especialmente no minucioso acabamento. Nós produzimos cerca de 100 peças por ano, de 5 ou seis modelos.
Não estamos muito concentrados na Ásia, como muitas outras marcas. Temos um balanço muito bom entre Europa, Américas e Ásia. Aos poucos temos construído uma pequena rede de agentes, o que se justifica porque nossa produção é muito pequena e não podemos atender a uma demanda muito maior.
R&R: É a sua primeira visita ao Brasil e o que o Sr. espera do mercado Brasileiro?
S. F: Sim, é a primeira visita ao Brasil, e além do Rio de Janeiro também visitarei São Paulo, ao lado de nosso agente, Gilles Schneider.
É um grande país de certos desafios mas de enorme potencial, e que possui colecionadores de alto nível, bastante interessados em relógios muito especiais.
R&R: Muito obrigado pelo seu tempo e atenção!
*Carlos E. Tiburcio Ramos é colaborador de Relógios & Relógios e diretor da
Watch Cellar.