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Luiz Cruls, delegado brasileiro na Conferência Internacional de Washington
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Observatório Astronômico do Rio de Janeiro
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Placa em honra de Louis Cruls, na sua cidade natal, Diest, Bélgica
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Cientistas da Missão Cruls foram reunidos para coletar dados sobre o sertão brasileiro
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Observatório da Missão Cruls montado no interior brasileiro
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Observatório de Paris
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Observatório de Paris
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Relojoeiros parisienses acertam os seus relógios pelo do Observatório de Paris
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Fusos Horários do Brasil até Junho de 2008
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Fusos horários adotados na Hora Legal Brasileira em referência ao Tempo Universal Coordenado (UTC)

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O Brasil na Conferência de Washington de 1884 - II

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Brasil na Conferência de Washington, de 1884, e as questões do Meridiano Zero e dos Fusos Horários – II

Por Fernando Correia de Oliveira*

Vimos numa primeira crônica como Luiz Cruls, delegado brasileiro à Conferência Internacional de Washington, se alinhou com as posições minoritárias da França quanto à escolha de um meridiano de referência. Cruls, um cientista hoje pouco conhecido, é no entanto um dos vultos mais importantes do país na segunda metade do século XIX. A sua história bem merece ser divulgada. Também aqui lhe damos conta das várias mudanças estruturais que, ao longo do século XX, o Tempo brasileiro foi sofrendo.

Regressemos à fase derradeira dos trabalhos, em Washington. Tendo sido derrotada a posição francesa, a da procura um tanto ou quanto “poética” de um meridiano de referência neutra, que não ferisse quaisquer suscetibilidades, estava na altura de avançar.

O delegado dos Estados Unidos, Rutherfurd, fez notar a confusão em que então se vivia, quanto a datas – noções em conflito sobre o dia – o local, o universal, o náutico e o astronômico; e manifestava a esperança de que, proximamente, se achasse um ponto de partida, igual para todo o mundo, sobre o qual essas noções se pudessem basear.

E, pela primeira vez, ele avança com uma proposta – “que a Conferência proponha aos governos aqui representados a adoção do meridiano que passa pelo centro do instrumento de trânsito no Observatório de Greenwich como meridiano inicial para a longitude”.

O delegado espanhol, Valera, faz uma observação curiosa: diz que o seu Governo o mandatou para votar a favor de Greenwich como meridiano de referência, mas “na esperança de que a Inglaterra e os Estados Unidos aceitem por seu turno o sistema métrico”. Este sistema, de iniciativa francesa, tinha ganhado rapidamente a concordância de todo o mundo, à exceção dos anglo-saxônicos.

Contra Greenwich, volta à carga o delegado francês, Lefraivre. Diz ele que o meridiano de Greenwich está já em vigor num império (o britânico) com 20 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 250 milhões, servindo 40 mil navios, uma marinha que ultrapassava todas as outras juntas; e que outras potências como os Estados Unidos também já o seguiam. “Mas, se o argumento é o da força, onde fica a ciência?”, pergunta ele. “Nada é tão transitório como o poder e as riquezas”, atira.

Sir F. J. O. Evans, um dos delegados da Grã-Bretanha, contra-argumenta com o peso que as cartas e placas em cobre produzidas pelo Almirantado, em Londres, têm na navegação marítima mundial. Elas usam o meridiano de Greenwich e mudar tudo isso seria uma perda de dinheiro – não apenas para os ingleses mas para o resto do mundo, já que um quinto desses mapas é vendido para o estrangeiro. A acrescentar a isso, havia também os almanaques náuticos.

Rutherfurd avança com a formalização da votação da proposta apresentada, e o resultado é de 21 a favor, um contra (São Domingos) e duas abstenções (Brasil e França).

W. F. Allen, outro delegado dos Estados Unidos, recorda então que, desde 18 de Novembro de 1883, as várias companhias de estradas de ferro dos Estados Unidos e do Domínio do Canadá se regem a nível horário pelo sistema de fusos, usando o de Greenwich como “zero”. “O sistema tem provado bem”, diz. E acrescenta que o Departamento dos Correios dos Estados Unidos, que anteriormente usava o tempo médio de Washington, também mudara para a referência de Greenwich.

A 14 de Outubro ocorre o quinto dia de trabalhos, mais uma vez com a presença de Luiz Cruls, delegado do Brasil e responsável pelo Observatório do Rio de Janeiro.

Sendo o meridiano de Greenwich o adotado, faltava saber como se contaria a longitude a partir dele – se a partir de um lado ou se a partir dos dois. Uma proposta de resolução é apresentada pelos Estados Unidos, para que a contagem se processasse em duas direções, até 180 graus, “sendo mais a longitude leste, e menos a longitude oeste”.

Sandford Fleming, Delegado da Grã-Bretanha, o canadense que tinha inventado o sistema dos fusos horários, avança: “Na minha mente, a longitude e o tempo estão tão relacionados que são praticamente inseparáveis, e quando considero a longitude, os meus pensamentos revertem naturalmente para o tempo, através do qual ela é medida”.

E defende: “Se um sistema de tempo universal for aprovado para uso, resultarão vantagens de ter o sistema de tempo e o sistema de longitude terrestre em completa harmonia. A passagem do tempo é contínua, e, por isso, penso que a longitude deveria ser contínua”. Ou seja, é contra o sistema de 180 graus vezes dois e a favor de uma única contagem, de 360 graus.

“Tomando o globo como um todo, não é agora possível definir com precisão quando é que começa um ano, um mês ou uma semana. Não há tal intervalo no tempo que nos permita isolar um dia igual e invariável. Segundo a definição comumente aceita, um dia é local; é limitado a um único meridiano. Em algum local na superfície da Terra está sempre a começar um dia e noutro um a acabar. Assim, enquanto a Terra faz uma revolução diária, temos continuamente muitos dias em diferentes estágios de progresso no nosso planeta.

“Necessariamente, as horas e os minutos refletem esta irregularidade normal. Os relógios, os mais perfeitos que se possa imaginar nos seus mecanismos, discordam entre si se estiverem em diferentes longitudes. Na verdade, se os relógios forem regulados pelo tempo solar verdadeiro, como ele é agora designado, têm, pelo menos em teoria, que variar não apenas no mesmo Estado ou província, mas em alguma extensão na mesma cidade”.

Na sua longa intervenção, Sandford Fleming faz referência aos vários conceitos de tempo – solar, astronômico, náutico, civil ou aparente, médio. “O tempo pode ser comparado a uma grande corrente, a andar para sempre, e sempre para frente”, diz ele. E avança para a explanação do sistema que inventou.

Primeiro, deveria ser definido e estabelecido um dia universal, assegurando assim a precisão cronológica em datas, comum a todo o mundo. Segundo, deveria obter-se um sistema universal de tempo, numa base aceitável por todas as nações, através do qual, em toda a parte, ao mesmo tempo, o mesmo instante possa ser observado.

Finalmente, deveria ser criado um sistema sólido e racional de contagem de tempo, que possa eventualmente ser adotado para fins civis em todo o lado, assegurando assim uniformidade e precisão através do globo.

Sandford Fleming propõe que o meridiano de referência seja Greenwich, que o anti-meridiano de Greenwich sirva como linha de mudança de data e que a superfície do globo seja dividida em 24 meridianos equidistantes, separados por 15 graus, correspondentes às 24 horas do dia.

Rutherfurd volta à carga, assinalando que a adoção do meridiano de Greenwich é “apenas uma questão prática, de conveniência”, pois sete décimos das nações civilizadas já o usam.

Seguiu-se a votação quanto à maneira de contagem, tendo ganhado a de 180 graus, em duas direções (14 votos a favor, 5 contra e 6 abstenções, incluindo-se nestas últimas o Brasil).

W. F. Allen, Delegado dos Estados Unidos, faz notar alguns receios que possam existir entre as populações quanto à mudança de tempo regulada por um meridiano nacional para um dos 24 meridianos segundo o sistema dos fusos horários. “Essa alteração prejudicou de algum modo a vida das populações? A resposta é não, dadas as experiências da Grã-Bretanha desde 13 de Janeiro de 1848; da Suécia, desde 1 de Janeiro de 1879; e dos Estados Unidos e Canadá, desde 18 de Novembro de 1883”.

A 16 de Outubro, ao meio-dia, os participantes na Conferência foram recebidos na Casa Branca pelo Presidente dos Estados Unidos, Chester Alan Arthur.

A 20 de Outubro, recomeçaram os trabalhos. Sempre com a presença do delegado brasileiro. Houve uma sétima sessão a 22 de Outubro e uma oitava e última a 1 de Novembro. Foram discutidos pormenores quanto à aplicação do meridiano de referência, por um lado, e à do sistema de fusos horários, por outro. O Brasil alinhou-se quase sempre nas votações pela posição da França.

Louis Ferdinand Cruls, um belga a serviço do Brasil

Quem era o delegado brasileiro à Conferência de Washington? Luiz ou Luís Cruls, de seu nome de batismo Louis Ferdinand Cruls, nasceu em Diest, na província de Brabante, Bélgica, a 21 de Janeiro de 1848 e faleceu em Paris, a 21 de Junho de 1908.

Cruls foi um astrônomo, que trabalhou a maior parte da sua vida no Brasil, tendo mesmo se naturalizado brasileiro, ao se casar com Maria Oliveira, com quem teve nove filhos (entre eles, o escritor Gastão Cruls). Fez os seus estudos de Engenharia Civil na Universidade de Gand e foi admitido como aspirante de Engenharia Militar, chegando ao posto de segundo tenente.

Serviu o Exército belga de 1869 a 1872. Abandonou a carreira militar e, em 1874, participou da viagem inaugural do paquete Orénoque, até o Brasil, tendo se fixado aos 24 anos no país, onde começou a participar de trabalhos geodésicos.

De onde vem a ligação de Cruls ao Brasil? Durante os seus estudos universitários, o belga conheceu muitos colegas brasileiros, como Caetano Furquim de Almeida, que o convenceu a conhecer o país. Foi na viagem no vapor Orénoque que conheceu Joaquim Nabuco, passageiro no mesmo navio.

Por intermédio do futuro diplomata, na época político e jornalista, Cruls foi introduzido na sociedade do Rio de Janeiro, sendo apresentado mesmo ao Imperador D. Pedro II (diz-se que foi o Imperador a dar-lhe a ordem de votar a favor do meridiano de Paris como meridiano de referência, na Conferência de Washington, em detrimento do de Greenwich).

Como astrônomo, Cruls já tinha granjeado fama na Bélgica, e uma cratera de Marte, bem como um cometa, ganharam o seu nome. Foi admitido como Adjunto no Observatório Imperial do Rio de Janeiro. Em 1881, ascende ao posto de Diretor do observatório.

Em 1882, chefia uma equipe de cientistas brasileiros à Patagônia chilena, para calcular a distância entre a Terra e o Sol, a partir da passagem de Vênus diante do disco solar (trânsito de Vênus).

Mas, para a História do Brasil, além da sua participação na Conferência de Washington, fica a missão que lhe foi confiada em 1892, por Floriano Peixoto – exploração do Planalto Central, tanto do ponto de vista horológico como climático ou de saúde pública, e tendo em vista a localização da futura capital do país. À frente de uma equipe de 21 pesquisadores, entre geólogos, geógrafos, botânicos, naturalistas, engenheiros, médicos e higienistas, seguiu a Ferrovia Mogiana, do Rio de Janeiro a Uberaba, rumando depois em direção ao Planalto Central, percorrendo um total de 4 mil quilômetros, em condições muito adversas, com homens e equipamentos montados em burros, abrindo picadas a picareta. Essa histórica expedição lança as bases de um projeto que levaria, em 1960, à construção de Brasília.

Sem localização geográfica terrestre possível, caminhando em terreno virgem, Cruls usou as estrelas para orientação do grupo. A chamada Missão Cruls demarcou uma área enorme, de 14.400 km2. A partir desse trabalho foi desenhado, pela primeira vez no mapa do Brasil, o “quadrilátero Cruls”, sendo usada pela primeira vez de forma oficial a expressão “Distrito Federal”.

A comitiva realizou estudos científicos até então inéditos na região, mapeando aspectos climáticos e topográficos, além de estudar a fauna, a flora e os cursos de água do trajeto, o modo de vida dos habitantes, os aspectos urbanos e arquitetônicos das cidades encontradas pelo caminho, além das doenças mais comuns. O grupo enfrentou a hostilidade dos índios, contraiu malária e beribéri. Em Junho de 1894, após os resultados obtidos pela comissão, Luiz Cruls foi nomeado presidente da Comissão de Estudos da Nova Capital da União. Assim, com a incumbência de escolher o local definitivo para a edificação do novo centro político, realizou uma segunda missão com estudos mais detalhados, centrados no quadrilátero.

Quando Floriano Peixoto deixou a Presidência, o movimento para a transferência de local da capital do Brasil parou. Os estudos só foram reativados na prática em 1952 e apenas em 1956, no governo de Juscelino Kubitschek, a construção de Brasília avançou.

Os trabalhos de Cruls incluíram ainda a coordenação da comissão da Carta Geral do Império do Brasil, encarregada de elaborar um mapa do território que pudesse ser exibido no evento comemorativo do centenário da independência dos Estados Unidos, a Exposição Internacional de Filadélfia.

Depois de representar o Brasil na Conferência de Washington, em 1884, ainda realizou uma última grande missão – foi enviado à Amazônia, com o objetivo de localizar a nascente do rio Javari e resolver, desde modo, um conflito de fronteiras com a Bolívia.

Nas suas missões no terreno, fosse nas expedições ao Planalto Central, à Patagônia ou à Amazônia, Cruls se fazia sempre acompanhar de cronômetros de grande qualidade. Era com esses marcadores de tempo que, lendo os céus, conseguia determinar a longitude do local onde se encontrava, numa altura em que ainda não havia GPS…

Cruls, que tinha contraído malária quando da expedição ao Planalto Central, viria a morrer da doença, em 1908, em Paris, quando ali procurava tratamento. Os seus restos mortais estão no cemitério de S. João Batista, no Rio de Janeiro.

O Brasil e os fusos horários

Logo no início do século XIX, um pouco por toda a Europa, começa a generalizar-se o conceito de Hora Nacional. Portugal, por exemplo, teve como primeiro meridiano de referência o que passava por um observatório astronômico, construído no Castelo de São Jorge, em Lisboa (embora continuasse a funcionar, como segundo meridiano, para o norte do país, o que passava pelo observatório da universidade de Coimbra). Como vimos, a Grã-Bretanha passou a regular o tempo em todo o seu império a partir do meridiano de Greenwich, enquanto a França o fazia a partir de Paris, logo a partir de 1816.

E quanto ao Brasil? Socorremo-nos de Ronaldo Rogério Freitas Mourão, fundador do Museu de Astronomia e Ciências Afins, do Rio de Janeiro, e grande divulgador da Ciência. “É estranho que um país de tão grande extensão territorial, mas sem vias de comunicação rápida nessa época, não tenha adotado a hora média e a população continuasse a servir-se da hora verdadeira local, fácil de se obter por intermédio dos quadrantes solares. É certo que, excepcionalmente, nos portos marítimos como Bahia, Rio, Recife, Santos e talvez com outros recursos de comunicação com a Europa, as necessidades de navegação obrigassem os relojoeiros a uma determinação e conservação mais cuidadosas da hora. Consta que antes da criação do Imperial Observatório do Rio de Janeiro, em 1827, existiu na antiga Ilha dos Ratos (hoje Ilha Fiscal), na Baía de Guanabara, um pequeno observatório no qual se achava instalado um instrumento da marca Dolland destinado à observação da passagem de estrelas pelo meridiano. Mais tarde esse instrumento foi removido para terra firme, sendo, então, montado em um prédio situado à Rua Direita (hoje Primeiro de Março), no Rio de Janeiro. Essa luneta foi de propriedade da antiga relojoaria Roskell, estabelecida em 1808, à Rua Direita, 24, no Rio de Janeiro, e, por volta de 1869, sucedida pela firma D. Norris & Cia, à Rua Primeiro de Março, 20, também nesta mesma cidade, onde continuou como os únicos representantes dos relógios e cronômetros ingleses de Robert Roskell e John Poole”.

Parece, pois, que terá cabido à iniciativa privada, nomeadamente à casa Roskell e, mais tarde à firma de Diogo Ildefonso Norris, a primazia na determinação regular da hora no Rio de Janeiro e a regulação dos cronômetros de marinha “de que sempre se ocupou até o primeiro quarto do século XX, quando os últimos representantes da firma se afastaram definitivamente do negócio”, recorda Ronaldo Mourão. “A situação anárquica que existia no Brasil em matéria de tempo não mudou após a criação do Observatório do Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1827, o que era de se esperar por se achar o instituto recém-criado isolado na capital do Império, a lutar com dificuldades de toda ordem, sem instrumental eficiente e sem local apropriado ao seu funcionamento. Além disso, era obrigado a acompanhar a via férrea ou o telégrafo, na difusão da hora no interior”.

“Ora, prossegue o divulgador, a primeira linha férrea no Brasil só foi inaugurada em 1854, limitada a uma zona muito restrita próxima ao Rio de Janeiro. Somente tornou-se notável a extensão das linhas após 1876, não podendo, portanto, a hora do observatório alcançar grande distância por esse meio de comunicação. Assim, também sucedeu com o telégrafo. Em 1850, só havia comunicações ópticas no Brasil. Em 1852, começou a funcionar o telégrafo elétrico, somente nos arredores da capital, sendo poucos os progressos realizados no começo, até 1876, quando as linhas morosamente aumentadas estenderam-se da Paraíba até o Rio Grande do Sul. Somente em 1886, graças à dedicação do Barão de Capanema, estava o Brasil provido de linhas telegráficas em toda a extensão do litoral, com numerosas e importantes ramificações”.

Em Dezembro de 1875, foi inaugurado o cabo submarino ligando o Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Pará. Foi, imediatamente, aproveitado para trabalhos de difusão de hora e determinação rigorosa das longitudes dos diversos pontos da costa brasileira, em relação a Greenwich, trabalho este executado pela Comissão de Longitudes, sob a chefia do comandante norte-americano Green.

Como temos vindo a referir, em 1884 o Brasil foi convidado pelo governo dos EUA a participar da Conferência Internacional do Meridiano em Washington, quando foi adotado o meridiano que passa por Greenwich como origem das longitudes e, portanto, das horas, assim bem como o sistema de fusos horários. “Enviado como representante do Brasil, Luiz Cruls, então diretor do Imperial Observatório do Rio de Janeiro (atual Observatório Nacional), adotou posição contrária à escolha de Greenwich, tendo em vista a solicitação do imperador D. Pedro II que deveria votar com a França”, frisa Ronaldo Mourão. “Ora, como os astrônomos franceses defendiam o uso de um meridiano universal independente de uma nacionalidade, eles resolveram se abster, posição seguida pelo Brasil. Em conseqüência, o Brasil não aceitou as decisões da Conferência de Washington. Desse modo, o território nacional conservou a mesma situação anárquica em relação à hora, uma vez que Cruls não procurou impor junto ao Império e a República a adoção do sistema de fusos horários que daria ordem à situação”.

Em 1888, à semelhança do que acontecia em muitas cidades da Europa e da América do Norte, a hora do Observatório Nacional passou a ser anunciada pelo chamado balão da hora (ou time-ball), que era içado num mastro e caía pontualmente ao meio-dia, a partir do terraço do Observatório. Esse sinal era utilizado pelo público na cidade e, mais particularmente, pelos navios fundeados no porto. “Além disso, a hora fornecida pelo balão, o meio-dia, era transmitida telegraficamente à estação central da EFCB e à central telegráfica no Rio, por intermédio das quais podia ser levada a todos os pontos acessíveis do País”, recorda Ronaldo Mourão. “Essa espécie de controle sobre a distribuição da hora, que começava a ser exercido pelo Observatório, não tinha caráter obrigatório nem lei alguma que o determinasse. Era, então, de praxe na Repartição Geral dos Telégrafos o uso da hora da capital, mas nas diversas localidades servidas por linhas telegráficas costumava-se tomar a hora do telégrafo e corrigi-la da diferença para a do Rio, o que importava a utilização da hora média local para cada um desses pontos”.

O divulgador diz ainda que, “após a primeira década do século XX, ainda permanecia o Brasil na mesma situação relativamente ao problema da hora, apesar de inúmeros progressos realizados em todos os ramos da atividade humana”.

“No telégrafo era usada a hora do Rio, assim como também nas estradas de ferro próximas da Capital. Em São Paulo a hora adotada era a da Capital do Estado. Nos estados procedia-se mais ou menos da mesma maneira quanto ao horário das vias férreas. Além desses casos, continuava a maior liberdade e independência com os maus resultados decorrentes”.

A grande mudança no Tempo brasileiro, a sua entrada na Modernidade, ocorre quando o então Presidente da República, Hermes R. da Fonseca, estabelece por Leu de 18 de Junho de 1913 que o país passará a reger-se pelo sistema de fusos horários, em todo o território nacional (Portugal, por decreto de 1911, estabelecera a mesma medida, a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 1912). Com a medida de 1913, o Brasil fica dividido em quatro fusos horários, seguindo Greenwich como meridiano de referência.

O primeiro fuso abrangia a ilha de Trindade e o arquipélago de Fernando de Noronha onde a hora legal era a de Greenwich menos duas horas; no segundo fuso, que incluía todos os estados litorâneos e os estados interiores (com exceção de Mato Grosso, Amazonas, e parte oeste do Pará), a hora legal era a de Greenwich menos três horas; o terceiro fuso, caracterizado pela hora de Greenwich menos quatro horas, compreendia a parte oeste do Estado do Pará, Mato Grosso e a região do Amazonas que fica a leste do círculo máximo que, partindo de Tabatinga vai até Porto Acre; o quarto fuso de menos de cinco horas compreendia o Estado do Acre e a zona do Estado do Amazonas a oeste da linha descrita anteriormente. Essa aplicação de quatro fusos apresentava o inconveniente de dividir os estados do Pará e do Amazonas, onde existiam duas regiões com horas diferentes.

Entretanto, a emissão de sinais radiotelegráficos da hora foi iniciada pelo Observatório Nacional do Rio de Janeiro em 1 de Junho de 1918. “Pode-se afirmar que desde então o Brasil, nos grandes centros como nas cidades e municípios mais longínquos, onde quer que exista um receptor de rádio, graças ao rápido progresso da radiofonia, a hora emitida pelo Observatório Nacional, em ondas médias e curtas, pôde ser recebida”, salienta o próprio observatório do Rio de Janeiro. “Durante certos instantes do dia e da noite são emitidos sinais horários, com toda precisão necessária aos trabalhos geodésicos e geográficos, e, portanto, suficientes para regular, quer as atividades sociais quer as científicas de instituições que utilizam uma freqüência padrão”.

Recorda o investigador e divulgador que “o equipamento do Serviço da Hora havia se tornado completamente obsoleto com o advento da cronometria eletrônica. A nossa colaboração com o Bureau International de l'Heure se encontrava praticamente à margem dos seus objetivos científicos. Nessa época, Lélio Gama solicitou, ao recém-criado Conselho Nacional de Pesquisas, um moderno equipamento eletrônico, destinado à conservação e transmissão da hora do Rio de Janeiro, assim como à recepção cronográfica das emissões estrangeiras. Essa aparelhagem, que incluía um relógio de quartzo, foi instalada em 1953, o que permitiu elevar o grau de precisão da hora do Rio de Janeiro”.

“Em 1958, existiam três relógios de quartzo, pois dois deles foram instalados em 1957. Nesta época, a emissora Rádio Relógio Federal obteve autorização do Ministério da Educação e Cultura para irradiar, em ondas longas e curtas, a hora padrão do Observatório Nacional, quando então se iniciou uma grande redução na difusão da hora pelo telefone. Só recentemente em 1972, o mesmo sistema seria reativado através de um processo eletrônico de hora falada por telefone. Em Maio de 1970, no Observatório Nacional, instalou-se o primeiro relógio atômico de césio do Brasil, e em 1976, as observações astronômicas da hora passaram a ser efetuadas com um astrolábio impessoal de André Danjon, instalado no morro de São Januário.

Atualmente o Observatório Nacional mantém dois transmissores de FM, VHF, HF, transmitindo contínua e diariamente em sistema unidirecional os sinais horários, a hora falada pelo telefone, e a freqüência do padrão atômico de césio. Além desses relógios, possuem o Observatório Nacional dois padrões secundários de rubídio. Cabe ao Observatório Nacional a coordenação e o estabelecimento de uma escala de tempo que deve se basear em todos os relógios atômicos existentes no território nacional, dentre eles o do Observatório do Valongo da UFRJ, do Instituto Astronômico e Geofísico da USP, do Observatório Radioastronômico de Atibaia, e do Instituto de Pesquisas Espaciais de São José dos Campos. As aferições desses relógios foram feitas por transporte de relógios e por comparação, utilizando as cadeias de televisão, por intermédio do método da linha 10, desenvolvida pelo engenheiro Ivan Mourilhe Silva.

A partir de 2002, o serviço da hora do Observatório Nacional introduziu o uso no Brasil do carimbo do tempo - elemento fundamental a todas as transações comerciais -, pois todos os documentos devem ter uma hora determinada com uma grande precisão, pois a hora gerada pelos computadores locais num tabelionato e até mesmo na compra e venda de ações na bolsa de valores não revela a hora legal brasileira, única prova capaz de determinar o momento exato de uma negociação. As horas dadas pelos microcomputadores geram dados contraditórios, pois, além de todos não estarem sintonizados com a hora legal brasileira, eles podem ser alterados”.

A mais recente modificação no Tempo brasileiro ocorreu em 2008, quando a 24 de Junho desse ano entrou em vigor um novo sistema de fusos horários – passaram de quatro para três. Com essa mudança, todo o estado do Pará ficou com a mesma hora do Distrito Federal; além disso, todos os municípios do Amazonas e do Acre passaram a ficar com apenas uma hora a menos do que o fuso de Brasília. Assim, atualmente, os fusos horários brasileiros são agora UTC – 2 (ilhas oceânicas), UTC – 3 (Brasília) e UTC – 4.


*Jornalista e investigador do Tempo, da Relojoaria e da evolução das mentalidades a eles ligadas (http://sites.google.com/site/fernandocorreiadeoliveira)
 
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