Por Fernando Correia de Oliveira*
As condições climáticas do Brasil, particularmente do Rio de Janeiro, com a sua umidade tropical, estiveram na origem do pedido que um joalheiro local fez para a Suíça, para o seu fornecedor de relógios – ele os queria mais resistentes. Nascia assim uma lenda, que a Patek Philippe produziu especialmente para o seu cliente brasileiro, durante um quarto de século. Onde estarão essas centenas de peças?
Desde o início do século passado, e até 1927, a Patek Philippe produziu relógios de bolso e de pulso para a firma Gondolo & Labouriau, um joalheiro e relojoeiro do Rio de Janeiro, de que aqui falamos já em crônica anterior.
A relação começou em Novembro de 1872, quando a Patek enviou para aquela casa um relógio de bolso, com caixa em prata.
Em 1902, a Gondolo & Labouriau encomendou um relógio de bolso especial, com o trem de rodas em ouro – o famoso Chronometro Gondolo – e as primeiras entregas desse modelo foram feitas nesse ano.
A Gondolo & Labouriau queria que o relógio fosse mais robusto e, especialmente, mais resistente à umidade tropical, e a Patek Philippe atendeu ao pedido.
Foi a essa altura que, num golpe genial de marketing, a Gondolo & Labouriau engendrou um novo método para comercializar estes relógios de bolso.
A casa oferecia aos seus clientes um plano de pagamento – o equivalente a dez francos suíços por semana, e por um máximo de 79 semanas – mais a oportunidade de passar a pertencer a um grupo fechado de 180 membros.
Esse clube, que envolvia passeios, piqueniques e outros tipos de confraternização, realizava todas as semanas uma espécie de loteria entre os seus membros – o “Plano do Clube Patek Philippe System”.
Tratava-se de um plano relativamente complexo, destinado a, por um lado, fracionar o pagamento dos relógios; por outro, contornar uma recente proibição de jogo no Brasil.
Cada participante, tendo concordado em adquirir um Chronometro Gondolo por 790 francos suíços, ficava com um cartão de subscrição numerado de 1 a 180. Em extrações semanais, e durante 79 semanas, um dos membros tinha a sorte de receber, por sorteio, um Chronometro Gondolo.
O primeiro a ter sorte pagaria apenas 10 francos suíços pelo relógio, o segundo 20, e assim sucessivamente, até o 78º, que teria pago a totalidade de 780 francos suíços.
O 79º membro sorteado na 79ª semana já teria pago o relógio por inteiro, mas era reembolsado dos 780 francos. Os restantes 101 participantes receberiam na mesma altura os Patek Philippe que também tinham já pago na totalidade.
Todo este processo dava uma certa emoção à aquisição de um relógio e, por volta de 1907, já havia dezenas de clubes semelhantes no Rio de Janeiro e outros pontos do Brasil.
Quanto ao Chronometro Gondolo, o nome serviu depois para vários modelos e tamanhos, nove ao todo, segundo os registos da Patek Philippe. Algumas vezes, tinham caixa em ouro e, além de ponteiros das horas, minutos e segundos, podiam ter a função de cronógrafo. Houve também relógios de pulso, masculinos e femininos, com caixas de formas influenciadas pela “Art Noveau”.
Em 2002, no centenário dos Chronometros Gondolo, uma jornalista a serviço da revista da Patek Philippe, Vicky Shorr, foi propositadamente ao Rio de Janeiro, no encalço de relógios desse modelo, mas não conseguiu encontrar nem um único. E quanto à Gondolo & Labouriau, a casa já não existia.
Há cerca de uns cinco anos, têm aparecido nos antiquários de Lisboa alguns exemplares Patek Philippe Gondolo de bolso, com caixa em ouro. O preço tem rondado os 2.500 euros.
O desafio que aqui, mais uma vez, deixamos ao leitor de Relógios & Relógios é, pois, o seguinte: tem um Patek Philippe Gondolo na família? Não quer mostrá-lo e partilhar a sua história conosco?
*Jornalista e investigador do Tempo, da Relojoaria e da evolução das mentalidades a eles ligadas (http://sites.google.com/site/fernandocorreiadeoliveira)