Por Fernando Correia de Oliveira*
É considerada a marca de maior prestígio no mundo da relojoaria. Nos seus arquivos históricos, a Patek Philippe congrega clientes de praticamente todas as casas reais do mundo, quase todas elas já desaparecidas. O Brasil não foi exceção.
Nos arquivos da Patek Philippe, em Genebra, há uma nota de venda, datada de 29 de Junho de 1888. Nela se refere “une montre-boule et un bijou” (um relógio-bola e uma jóia).
O comprador é “Sua Majestade Imperial do Brasil”. Trata-se da napolitana Teresa Cristina (1822-1889), casada em 1843 com D. Pedro II, Imperador do Brasil.
Casamento por procuração, como era habitual na época. Diz-se que D. Pedro ficou negativamente surpreendido quando a viu: era desprovida de belezas naturais, era baixa, gorda, tinha mais idade do que se imaginava (era 4 anos mais velha do que ele - a fotografia dela que tinham lhe enviado a fazia mais nova), e nascera com um problema congênito, coxeando de uma perna.
Apesar disso tudo, Teresa Cristina conquistaria o coração dos brasileiros, dadas as suas qualidades humanitárias.
D. Pedro II é deposto a 15 de Novembro de 1889, um ano e meio após a compra efetuada junto à Patek Philippe. Com a proclamação da República, o casal imperial segue para o exílio, em Portugal. Maria Teresa falece no Porto, em 28 de Dezembro desse ano. Em 1921, os restos mortais do casal imperial regressam ao Brasil.
A relação do Brasil com a Patek Philippe tem outras histórias interessantes. Uma delas passa pelas comemorações do tricentenário da morte de Camões (10 de Junho de 1580). Em Portugal, essas comemorações foram o prenúncio do fim do regime monárquico, com o movimento republicano (vitorioso apenas em 1910) apoderando-se dos festejos e manifestações cívicas. No Brasil, a data também foi profusamente lembrada, e a monarquia iria durar aí apenas mais nove anos.
A Revista Ilustrada, título satírico, de cunho republicano, publicado no Rio de Janeiro entre 1876 e 1898, trazia no seu nº 212, de 19 de Junho de 1880, o seguinte anúncio, com grande destaque, ao alto da página 8:
“Terceiro centenário de Camões / Lembrança útil, duradoura e vantajosíssima”. Abaixo do título, vinha o texto:
“O nosso chefe, amador das letras, das artes e das ciências, não quer deixar passar esta ocasião secular sem festejar de uma maneira útil o aniversário deste grande vulto literário português. Por consequência, deu-nos ordem para tirar da reserva dos cofres quantidade de relógios especiais de prata e prata dourada, excelentes, meio-patentes de primeira qualidade, e que desafiam qualquer competência (…). Acha-se gravado, sobre o guarda pó dos ditos relógios, além do título verdadeiro de regulador: TERCEIRO CENTENÁRIO DE CAMÕES 10 DE JUNHO DE 1880. Estes relógios, bons, bonitos e modernos, de se dar corda e acertar pela coroa, podem servir:
1º Às pessoas que já têm um relógio, de preço ou de estima para substitui-lo em viagem ou no trabalho.
2º A qualquer patrão que quiser deixar uma lembrança deste dia grande por mais de trinta anos a um bom empregado.
3º Às pessoas que precisam de um bom regulador, e que não podem gastar muito, APOSENTANDO assim toda a cangalhada em relógios que tiverem comprado até agora.
Promoção durante os dias 10, 11, 12 e 13 de Junho.
Assinam – Os empregados da Relojoaria E. J. Gondolo – Rua da Candelária nº 16”.
Seriam estes relógios exemplares Patek Philippe? É que a Relojoaria Gondolo foi durante muitas décadas o importador da marca para o Brasil. Há até os célebres Patek Gondolo, uma história que merece crônica à parte.
Considerados “cronômetros”, sendo assim de boa qualidade cronométrica, usando o sistema de coroa para dar corda e acertar ponteiros, em vez da chave, sistema inventado pela Patek Philippe, tudo indica que os relógios de bolso da Gondolo, edição especial a comemorar o tricentenário da morte de Camões, eram dessa marca.
De qualquer modo, aqui fica o desafio duplo aos leitores de Relógios & Relógios:
Alguém poderá dar mais pormenores sobre o relógio-bola Patek Philippe adquirido pela imperatriz Teresa Cristina? Terá ele ficado no Brasil, terá seguido com ela para o exílio lusitano? Onde se encontrará, hoje em dia?
E os Gondolo comemorativos do tricentenário camoniano? Seriam Patek Philippe? Alguém terá um em casa, podendo dar-nos imagens dele?
*Jornalista e investigador do Tempo, da Relojoaria e da evolução das mentalidades a eles ligadas (http://sites.google.com/site/fernandocorreiadeoliveira)