Na Vacheron Constantin é impossível não ter consciência do que significa a paixão pela relojoaria fina, pois sem paixão não há expectativas reais. Apesar de os antigos “cabinotiers” terem desaparecido, a sua memória perdura nos corredores da manufatura, perto das mesas de trabalho, onde os relojoeiros e artesãos trabalham sem descanso em movimentos que reavivam o seu espírito e perpetuam os seus conhecimentos.
No estande da manufatura no SIHH 2010 chamava atenção a presença de um artesão japonês, que pacientemente executava a arte do laqueado na decoração de um mostrador de relógio. Pudemos testemunhar a beleza de uma tradição milenar e o seu resultado final: a coleção “Métiers d’Art – O simbolismo do laqueado”.
O tempo também é memória. Uma das grandes qualidades da Vacheron Constantin é, indubitavelmente, a sua lealdade para com os visionários e artistas do passado. A ética e a dedicação à excelência de todos os empregados garantiram a coerência da empresa durante 250 anos. Quando se abraça a filosofia dos antepassados, e essa filosofia consiste num humanismo tão essencial, sente-se uma felicidade que só alguns privilegiados podem desfrutar.
A Vacheron Constantin comprometeu-se em transmitir e desenvolver os ofícios da relojoaria, especialmente os ofícios artísticos, que abrangem os conhecimentos técnicos altamente especializados relativos às artes decorativas aplicadas à relojoaria (esmaltador, gravador, especialista em guilloché e engastador-joalheiro de pedras preciosas). Este compromisso concretiza-se em relógios que são autênticas obras de arte e cujos segredos de produção são guardados apenas nas oficinas de alguns poucos mestres e artesãos.
Quando o conhecimento do espírito está na mão que dá vida ao objeto, o homem dota de alma cada uma das suas criações
Em 2004, quando a Vacheron Constantin inaugurou as séries limitadas de homenagem aos Grandes Exploradores, a marca de Genebra mostrava uma determinação férrea em garantir a continuidade de um dos seus valores mais sólidos: a transmissão das tradições artesanais enraizadas nos ofícios artísticos da alta relojoaria.
Nesta primeira coleção, os mestres relojoeiros e os esmaltadores combinaram os seus talentos e trabalharam na arte que cada um deles domina e ama, fundindo técnicas modernas e antigas para imortalizá-las em relógios excepcionais tanto do ponto de vista mecânico como estético. O movimento patenteado combinou uma magnífica visão das horas com um mostrador que se tornou ainda mais belo pela antiga e complexa arte da esmaltagem “grand feu”.
Da mesma forma, a série Masques da coleção Métiers d’Art - cujo primeiro jogo foi apresentado em 2007 - é um magnífico exemplo de como é possível combinar o talento e os conhecimentos técnicos; neste caso, os dos mestres relojoeiros e os dos gravadores, que trabalharam lado a lado na produção de relógios que constituem um autêntico convite a viajar no tempo e no espaço em busca das raízes do ser humano e a refletir sobre uma das expressões mais belas da sua alma.
Encontro entre a Vacheron Constantin, que em 2005 comemorou 250 anos em Genebra, e a Zôhiko, que em 2011 celebrará o seu 350º aniversário em Quioto - Juntos somam mais de 600 anos de história
A incrível acolhida que a coleção Métiers d’Art Les Masques teve - fruto do encontro entre a Vacheron Constantin e o Museu Barbier-Mueller de Genebra - não fez mais do que reafirmar a convicção da manufatura de relógios de que agora é mais importante do que nunca conjugar os ofícios culturais e artísticos e uma relojoaria da máxima qualidade técnica.
Essa combinação de talentos, a aliança do virtuosismo técnico e decorativo com a precisão, ilustra com clareza os valores fundamentais da Vacheron Constantin: a busca da excelência, o incentivo à criatividade, a adoção de uma atitude aberta perante o mundo, o respeito e a transmissão das tradições e, por último, a comunicação da paixão.
Agora, a marca abre novos horizontes no âmbito da combinação de técnicas de relojoaria e decoração ao oferecer pela primeira vez uma coleção Métiers d'Art na qual parte do trabalho é feita fora de Genebra, mais precisamente num país muito distante, pois o misterioso termo “maki-e” refere-se à “jóia da coroa” dentre as técnicas de laqueado ancestrais e tradicionais japonesas.
Nascimento da coleção “Métiers d’Art – O simbolismo do laqueado”
O projeto de combinar o maki-e e a relojoaria já estava há algum tempo nos planos do departamento de design da Vacheron Constantin, mas nunca houve um fator que desencadeasse o seu verdadeiro nascimento. Finalmente, esse fator foi dado pela Zôhiko, que havia tido a mesma ideia, mas no sentido contrário: combinar as técnicas da arte da relojoaria e as da arte da laca.
A menção das “máscaras” não é casual; a audácia técnica e artística e a beleza daquela coleção animaram a Zôhiko a apresentar-se à Vacheron Constantin no Outono de 2007 para estudar uma possível colaboração.
É verdade que a oportunidade e a sorte influem em todos os encontros, mas as verdadeiras relações só podem concretizar-se a partir de afinidades profundas e de valores comuns, como os que afloraram imediatamente entre as duas empresas, que partilham um respeito fundamental pelas tradições culturais, técnicas e artísticas. A origens da história ininterrupta da Vacheron Constantin remontam a 1755, e a Zôhiko foi fundada quase um século antes, em 1661. Juntas, somam 600 anos de experiência e conhecimentos técnicos.
Porém, esta coleção é, antes de mais nada, uma aventura do ser humano: uma viagem de exploração a um “mais além” desconhecido, onde o artesanato e a inovação alcançam o seu ponto máximo. Esta união dos artesãos de uma das empresas de laqueado mais antigas do Japão, Zôhiko - com sede em Quioto desde 1661 - e da Vacheron Constantin - a manufatura de relojoaria mais antiga do mundo, que tem fabricado relógios de forma ininterrupta em Genebra desde os seu início em 1755 - traduziu-se na materialização de determinados valores fundamentais comuns: a coleção Métiers d’Art – O simbolismo do laqueado.
Três anos, nove designs e sessenta jogos
Fiel ao espírito da coleção Métiers d’Art, o tema “symbolique des laques” variará ao longo de três anos. Apresentar-se-á a cada ano um novo jogo de três relógios numa série limitada de vinte.
Cada jogo de relógios será caracterizado por motivos resgatados da riqueza simbólica das tradições artísticas do Extremo Oriente. Cada design - que pode proceder do mundo animal, vegetal ou mineral - tem um significado e pode combinar-se com outro. As figuras divinas ou heróicas associam-se aos animais, estes animais às plantas, e as plantas a virtudes ou a qualidades abstratas, e assim por diante. Em muitos casos, os designs têm relação com obras literárias, poemas ou lendas.
No que se refere à relojoaria, o calibre que a Vacheron Constantin escolheu para esta série de relógios é o lendário e extra-plano 1003, na verdade uma versão esqueleto do movimento, fabricada em ouro branco 14 quilates. Além disso, para aumentar a harmonia geral e realçar o artesanato maki-e, a Vacheron Constantin optou por um tratamento de rutênio que, ao atenuar o brilho natural do ouro, produz um efeito muito elegante neste modelo. O cristal de safira em ambos os lados permite contemplar o acabamento excepcional, especialmente o chanfrado realizada nas oficinas da manufatura genebrina.
A delicada caixa redonda de linhas aparentemente simples irradia uma sobriedade e uma pureza exemplares, que se unem perfeitamente ao espírito “zen” da coleção.
Longevidade
O primeiro conjunto de relógios tratará do tema da longevidade, servindo-se dos “Três amigos do Inverno”, Saikan no sanyû 歳寒三友: o pinheiro, o bambu e a ameixeira. Este trio clássico do simbolismo chinês não demorou muito a chegar ao Japão, onde agora desfruta da mesma popularidade que no seu país de origem. Devido à sua resistência ao frio intenso, os “Três amigos do Inverno” representam fundamentalmente a longevidade. Por extensão, também se associam à lealdade de uma amizade que perdura inclusive nos momentos difíceis que simbolizam o Inverno.
Os pinheiros são venerados pela sua idade e pela sua força. Também são muito apreciados porque conservam-se verdes no Inverno. O bambu é considerado como um perfeito cavalheiro, flexível perante as mudanças, mas sem nunca renunciar ao seu ideal; quando acalma a tormenta volta à sua posição inicial. O respeito concedido à ameixeira deve-se ao fato de que é a primeira árvore que floresce quando ainda persiste o Inverno; também é a árvore frutífera mais longeva. O ideal do homem de letras chinês e japonês era ser “forte como o pinheiro, duro como o bambu e puro como a ameixeira”.
Cada um dos “Três amigos do Inverno” está associado a uma ave
Por exemplo, o longevo pinheiro é acompanhado pelo grou, cuja brancura lembra a acumulação dos anos. O bambu associa-se ao pardal, cuja incessante atividade simboliza a vitalidade do bambu, que não deixa de brotar. Por último, a ameixeira compara-se ao rouxinol, pois ambos celebram a chegada da Primavera, um com as suas primeiras flores e o outro com o seu canto.
A Vacheron Constantin escolheu esses motivos duplos numa estreita colaboração com a Zôhiko. O laqueado que todos os relógios exibem em ambos os lados é fruto da técnica maki-e. O design da árvore decora a parte dianteira e o da ave a traseira, a do pulso. Também, neste sentido, a Vacheron Constantin bebe da tradição japonesa, pois parte da decoração de muitos dos objetos laqueados japoneses não está à vista; por exemplo, a do interior das tampas ou a do fundo das caixas.
O relógio Pinheiro e Grou: Matsu to tsuru 松と鶴
O pinheiro sempre foi muito valorizado no Japão pela sua madeira e pela beleza das suas formas sinuosas. Porém, a sua função proeminente na arte e na literatura reflete tradições adquiridas do continente. Essas tradições inspiram-se em grande parte no fato de que o pinheiro é uma árvore de folha perene e, portanto, associa-se à longevidade e à firmeza. Tanto a arte chinesa como a japonesa consideram-no uma planta “virtuosa”, não só como símbolo do Inverno e do Ano Novo, mas também como símbolo fundamental da longevidade e inclusive da imortalidade.
Da mesma forma que o pinheiro, o grou sempre representou a longevidade e uma elegância majestosa. Junto com a Ave Fênix, é uma das aves mais lendárias e misteriosas das tradições do Extremo Oriente. Diz-se que, além de desfrutar de uma longevidade espantosa, a partir dos 600 anos pode viver exclusivamente de água fria. Ao chegar aos 2.000 anos, a sua imaculada plumagem branca converte-se em preto escuro. O grou é também um dos mensageiros aéreos dos imortais do taoísmo. No Japão, às qualidades míticas do grou soma-se um aspecto meramente estético relacionado com a sua graciosidade e com a sua bela plumagem. A chegada sazonal dos grous, que passam o Inverno no Japão, era recebida com alegria, pois vaticinava prosperidade. Por tudo isto, antigamente os grous tinham proteção imperial. Eram reservados para o deleite exclusivo do Imperador, e a sua caça esteve proibida até a chegada da Restauração Meiji em 1868.
O relógio Bambu e o Pardal: Take to suzume 竹と雀
No taoísmo e, em menor medida, no budismo, a estrutura tubular do bambu simboliza o conceito do vazio. Da mesma forma que o tao - o caminho que surge do vazio e retorna ao mesmo -, o núcleo do bambu é oco. Este vazio ou espaço é também símbolo de tolerância e de uma atitude aberta. A flexibilidade e a resistência do bambu, que lhe permitem dobrar-se sem se quebrar, representam a integridade.
Apesar de não viver tantos anos como o pinheiro, o bambu também é associado à longevidade. É certo que um broto de bambu não vive muito tempo, mas de um só broto pode crescer um bosque inteiro de bambu. Também é verdade que o bambu morre depois de florescer, mas muitas espécies só florescem uma vez por cada século, de modo que acabam por fazer um número respeitável de anos.
Nidificar nos bosques de bambu é algo muito atrativo para os bandos de pardais. Apesar da sua natureza inquieta e, em algumas ocasiões, brigona, os pardais são considerados um símbolo de lealdade no Japão. Nunca deixam de cantar “chu, chu, chu”, isto é, “seja leal, leal, leal”. Nas antologias de lendas populares, o pardal costuma ser retratado com um forte sentido da honra e do dever. A associação do bambu e do pardal também aparece com frequência nas pinturas do budismo zen, onde o bambu simboliza o ideal do despertar e a liberação dos vínculos mundanos, e o pardal representa a espontaneidade e a alegria de viver.
O relógio Ameixeira e Rouxinol: Ume to uguisu 梅と鴬
O elemento mais característico da ameixeira é que as suas delicadas flores rosadas se abrem em pleno Inverno. O suave aroma que destilam durante o mês mais frio do Inverno desperta as primeiras esperanças de que chegue a Primavera. Nem a ameixeira nem as suas flores são especialmente esplendorosas; mesmo assim, a sua frescura e o seu requinte levantam o ânimo na desolação invernal. A ameixeira é uma metáfora da beleza interior e humildade perante as adversidades do mundo.
A associação da ameixeira e do rouxinol parece ser mais tipicamente japonesa. Ambos são mensageiros da Primavera. O primeiro canto do rouxinol chama-se hatsune 初音, ou seja, “o primeiro som do ano”. As associações artísticas e poéticas da ameixeira e do rouxinol são inumeráveis. Também se costuma associar à neve, pois as ameixeiras florescem logo que as suas flores se confundem com os flocos de neve.
O que é o maki-e?
Maki-e, que significa literalmente “desenho salpicado”, é a técnica de laqueado mais sofisticada que existe. Trata-se de um trabalho decorativo que consiste em dar forma a um desenho espalhando delicadamente pó de ouro ou de prata sobre laca fresca e, em geral, preta.
A origem da laca é a seiva da árvore da laca, Rhus verniciflua. Essa árvore, além de ser da família da hera venenosa, é originária dos planaltos da Ásia Central e do Tibete. Hoje em dia só cresce no sul da China, na Coreia, no Vietnam e no Japão, mas antigamente era muito mais estendida. Em japonês, utiliza-se a mesma palavra para designar a substância e a árvore: urushi 漆. O ideograma correspondente, que se compõe das raízes da árvore, água e homem, constitui uma imagem fiel do que representa.
As técnicas de laqueado variam em função do país, da qualidade da laca e do uso que se dará aos objetos. As três categorias mais representativas da arte da laca são a gravura, a incrustação e o maki-e.
As possibilidades são quase infinitas, e a invenção japonesa do maki-e e as suas variantes constitui uma das fusões do saber-fazer técnico e da sofisticação estética mais extraordinárias de toda a história da arte.
Esta técnica decorativa desenvolveu-se muito cedo na história do Japão, atingiu a sua maturidade artística entre os séculos VIII e XII d. C, tendo sido o método de ornamentação predominante desde o século XVII até os dias de hoje. Não parece que tenha sido utilizada na China, e, no caso de ter sido, desapareceu prontamente. Porém, os numerosos pedidos realizados desde o continente ao longo dos séculos demonstram que era uma técnica muito apreciada. O auge do maki-e permitiu também o florescimento das técnicas relacionadas. Em meados do século X, esta técnica suplantou por completo todos as suas rivais; quase todo o mundo a preferia em detrimento das demais pela delicadeza da sua execução, pelo seu caráter inconfundível e ao mesmo tempo misterioso e pela sua incrível força poética.
Uma das principais vantagens da laca é que serve para decorar tanto os objetos mais preciosos como os mais quotidianos. As baixelas e as tigelas laqueadas existiram durante séculos, bem como as caixas de formas e usos diversos: porta-folhas, caixas para guardar o chá, o incenso e os pincéis, tinteiros, porta-cartões, porta-comprimidos, etc. Apesar de sempre terem existido os móveis laqueados, quase sempre houve uma preferência pelos objetos pequenos, por aqueles trabalhos que são encantadores pela sua meticulosa perfeição.
Zôhiko
Em 1661, Yasui Shichibei 安井七兵衛 (1632-1692) abriu uma loja chamada Zôgeya 象牙屋, “Ao sinal do marfim”, onde vendia objetos laqueados e produtos chineses. O seu sucessor foi Kusunoki Jihei 楠治兵衛 (1659-1714), que se concentrou nos objetos laqueados. A loja pertenceu à família durante cinco gerações até passar o controle a Nishimura Hikobei 西村彦兵衛 (1719-1773), o chefe de produção, posto que não havia herdeiros entre os Kusunoki. Kusunoki Jirôbei 楠治郎兵衛 (1723-1784) não só deixou a loja aos cuidados do seu assistente, também lhe encomendou a custódia dos sepulcros da família, outorgando-lhe assim um direito de sucessão inalienável. Desde então, a Zôhiko foi administrada por membros da família de Nishimura, e todos adotaram o primeiro nome do fundador. O diretor atual da Zôhiko é o nono Nishimura Hikobei.
Ao terceiro Hikobei (1806-1875), o imperador concedeu o título de “mestre do maki-e” pela excelência do seu trabalho. Uma das suas obras mais extraordinárias é um painel em maki-e no qual aparece o bodhisattva Fugen sobre um elefante branco. Segundo a história, os habitantes de Quioto ficaram tão encantados com a beleza dessa imagem que a batizaram com o nome de “painel de Zôhiko”: “Zô” significa elefante e “hiko” é a primeira parte do nome próprio de Hikobei. Esta é a origem do nome da empresa Zôhiko.
A Zôhiko tem mantido uma longa relação com a corte imperial japonesa. O quarto Hikobei (1806-1875) foi um dos fornecedores oficiais da corte, e o diretor atual foi quem fez o assento oficial do imperador reinante. As primeiras exportações da oficina datam do final do século XIX, quando ocorreu a abertura do Japão ao exterior, após a Restauração Meiji. A empresa ampliou os seus horizontes com o trabalho do oitavo Hikobei (1887-1965), a quem todos consideravam um pioneiro do setor de laqueado. Também foi o fundador da escola de maki-e, que se converteu numa instituição de referência para muitos artistas especialistas no laqueado.
A longa história da Zôhiko reflete uma tradição de excelência incomparável no que se refere à continuidade artística e à constante renovação da criatividade. Sem deixar de cultivar uma tradição milenar, a Zôhiko abriu-se ao mundo. O seu contato com a Vacheron Constantin possibilitou uma colaboração extraordinariamente intensa, que se materializou na coleção chamada Métiers d’Art – O simbolismo do laqueado.
A Vacheron Constantin e o Japão - uma relação muito duradoura
No princípio do século XIX, um eminente historiador suíço, Alfred Chapuis, mencionou os primeiros contatos comerciais da Vacheron Constantin com a Ásia, especialmente com a China. Em relação à sua presença no resto do mundo, naquela época a empresa desenvolvia a sua atividade na América do Sul e possuía um representante permanente no Brasil. Também era um fornecedor habitual da corte imperial russa, e a sua incursão no mercado da Índia ocorreu em 1847.
Naquela altura o Japão ainda estava quase completamente fechado ao exterior. De fato, desde o começo do século XVII até meados do XIX o governo militar dos shogun ocupou-se de que o país não tivesse nenhum contato com o resto do mundo. O Japão não cedeu às pressões norte-americanas até depois de 1854, quando assinou os primeiros tratados comerciais com o Ocidente. Desde então, os acontecimentos precipitaram-se e, naturalmente, a Suíça também aproveitou-se das repercussões.
Em 1862, o Conselho Federal suíço decidiu enviar uma delegação suíça ao Japão e convidou o “Sr. Vacheron, relojoeiro” a uma reunião preparatória. No dia 6 de Fevereiro de 1864, a Suíça assinou o seu primeiro documento oficial com o Japão, um tratado comercial que permitia aos cidadãos suíços estabelecerem-se nos portos abertos do país. Naquela época, os japoneses já tinham muito boa imagem da Vacheron Constantin, pois em 1867 - o ano do seu coroamento - o imperador Meiji tinha previsto visitar as oficinas da firma durante a sua viagem a Genebra; visita esta que não ocorreu em função de um convite de última hora de Monsieur de Rothschild.
O Japão adoptou a hora universal em 1884, algo que a Suíça não o fez até 1892, e a França nada menos que até 1991. Até esse momento, o Japão havia dividido as horas de maneira desigual entre o dia e a noite e em função da estação. Por conseguinte, o design dos relógios japoneses ou wadokei 和時計 era diferente ao dos relógios ocidentais, e a adoção da hora universal não consistia numa mera regulação. De fato, fez parte da autêntica revolução cultural à qual o Japão paulatinamente se entregou à medida que entrava na era moderna.
O “estilo japonês”
Em 1906, a Vacheron Constantin abriu a sua primeira boutique na l'Ile do centro de Genebra. Desde o começo, o estabelecimento dispunha de uma carteira de clientes japoneses habituais e exigentes, a partir das visitas de pessoas que estavam de passagem e dos pedidos do Japão.
Em 1917, a Vacheron Constantin já possuía representantes nas cidades japonesas de Tóquio, Yokohama e Kobe. Os primeiros relógios enviados foram cronômetros marítimos. Em seguida, já era palpável o gosto particular e marcado dos clientes japoneses; de tal modo que se desenvolveu um código estético integral, conhecido como o “estilo japonês”, que consistia de relógios planos, simples, elegantes e preferentemente brancos e prateados.
O período entre o final do século XIX e o começo do XX - posterior à exposição universal de Paris e à de arte do Japão, que causaram sensação - foi a época dourada do “japonismo” europeu. Ferdinand Verger, o representante da Vacheron Constantin em Paris até 1939, e os seus descendentes, eram autênticos gênios criativos que sabiam como tirar proveito da fascinação geral pelo Japão. Verger fez muitos relógios de influência japonesa para a Vacheron Constantin. Em alguns deles jogou com o esmalte para criar a ilusão da laca, enquanto que noutros a laca era autêntica; estes ainda fazem parte da coleção privada da Vacheron Constantin.
Em 1953, a Sua Alteza Imperial o Príncipe Akihito, o atual imperador do Japão, visitou a manufatura Vacheron Constantin e a boutique original da l'Ile e inclusive assinou no livro de visitas da firma.
A história da laca, o segredo do “verniz” precioso
“A árvore que produz o verniz autêntico do Japão chama-se urushi. Essa árvore produz uma seiva esbranquiçada que os japoneses utilizam para envernizar os seus móveis, pratos e a baixela de madeira que é utilizada por todo o tipo de pessoas, desde o imperador até os camponeses, pois, tanto na corte como na mesa do monarca, preferem-se os utensílios envernizados aos de ouro e prata.”
Engelbert Kaempfer,
Médico alemão de viagem pelo Japão.
História natural, civil e eclesiástica do Japão, 1727
Nessa passagem está resumido o essencial da laca japonesa. A palavra “laca” refere-se à substância, enquanto que o termo “laqueado” se utiliza para os objetos laqueados, isto é, os objetos decorados com essa substância. Atualmente existem três categorias principais de laca: laca autêntica, goma-laca e vernizes.
A laca autêntica é a seiva de uma árvore que só se encontra no Extremo Oriente. A goma-laca é uma resina extraída das secreções de um inseto que vive na Índia e no Sudeste Asiático. Esses dois tipos de laca distinguem-se pela sua cor e sobretudo pela sua resistência e solidez.
Os vernizes são todos os substitutos europeus da laca oriental. Há todo o tipo de substitutos, tanto de origem vegetal como animal - agora inclusive sintéticos -, de qualidade muito diversa. Entre os mesmos estão, por exemplo, os vernizes que se utilizam nos violinos Stradivarius, bem como outras variantes mais modestas e correntes. Porém, nenhum verniz pode competir com as características naturais da laca autêntica.
Laca: esplendor e origens no Extremo Oriente
Tanto na China como no Japão, a utilização da laca remonta-se ao Neolítico. As escavações arqueológicas permitiram estabelecer as datas mais antigas em torno ao ano 6000 a.C. Naquela época, a laca era utilizada para proteger objetos utilitários como, por exemplo, objetos de rituais. Utilizavam-se dois pigmentos para dar cor à laca: cinábrio para o vermelho e carvão de madeira para o preto. Além das propriedades protetoras da laca, não houve demora na apreciação do seu valor ornamental.
A China e o Japão desenvolveram rapidamente a arte da laca no mais alto nível. A China deu o impulso inicial a uma tradição artística de alto nível e o Japão em seguida colocou-se à altura dos mestres chineses. Desde o primeiro milénio d.C. a história da laca nestes países caracterizou-se por um diálogo e uma emulação constantes. Foi o Japão que idealizou a magia do maki-e, a técnica que agora pode ser apreciada na coleção Métiers d’Art – O simbolismo do laqueado.
A história da laca no Japão
Nos séculos V e VI, a China exercia uma influência política e cultural claramente forte no Japão. Isto se sucedia em todos os níveis, e as técnicas de laqueado chinesas, que naquela altura eram muito mais avançadas, também se transmitiram ao Japão, onde foram recebidas com um entusiasmo imediato. O Código Taiho (a constituição japonesa) de 701 é testemunha da importância que a laca tinha na economia japonesa, pois dispõe a criação de uma Secretaria da Laca, Nuribe no tsukasa 漆部司, subordinada ao Ministério das Finanças. Aquela Secretaria exigia dos aristocratas que plantassem árvores de laca nas suas propriedades e pagassem parte dos seus impostos em objetos laqueados. As oficinas fabricavam artigos laqueados para a corte imperial em particular e para templos de todo o país, à medida que seguia aumentando a procura.
As técnicas de laqueado daquela época também estavam baseadas em grande medida nas da China, e nem sempre resulta fácil determinar a origem dos objetos. Porém, já se apreciavam os fundamentos desta técnica, tal como o demonstra a série de objetos laqueados que faz parte do tesouro de Shosoin. Esse tesouro, que data do século XVIII, está conservado ainda hoje em Nara. Trata-se do museu mais antigo do mundo. As sete técnicas de laqueado reconhecidas entre os objetos de Shosoin destacam a importância desta arte desde os primeiros tempos da história do Japão. A maioria dos processos utilizados posteriormente são variações e melhorias daquelas técnicas originais.
A época dourada da laca. O final do século VIII caracterizou-se pela volta do Japão aos seus valores tradicionais, até o ponto de que a influência continental se reduziu de maneira drástica. Do prisma artístico, começou a formar-se um Japão puramente estético, caracterizado por uma graciosidade inigualável e um artesanato meticuloso. A arte da laca era um magnífico exemplo deste novo Japão. Além disso, na história da laca japonesa, o período do final do século VIII ao XII foi considerado a época dourada.
Naquele momento, o desenvolvimento das técnicas da cerâmica ainda não havia se destacado, e os objetos utilitários, como os móveis, eram fundamentalmente de madeira, uma base excelente para a laca. Eram os inícios das técnicas refinadas do maki-e, cuja delicadeza encaixava perfeitamente numa época na qual florescia uma cultura aristocrática e sofisticada de grande riqueza poética e artística.
Laca, chá e zen. Por volta do século XIII, o budismo zen foi introduzido no Japão e, com ele, o chá. No princípio eram os monges que o utilizavam pelas suas propriedades curativas, mas o seu uso estendeu-se até a consolidação da cerimônia do chá, muito apreciada pela aristocracia guerreira. Muitos dos objetos utilizados para guardar ou servir o chá eram laqueados: caixas para guardar o chá e o incenso, bandejas, colheres de bambu, etc. As formas fluidas e a decoração sofisticada dos objetos laqueados casava perfeitamente com a estética do chá.
A laca e o Ocidente. Os primeiros contatos entre o Japão e o Ocidente foram protagonizados pelos jesuítas portugueses e espanhóis durante a primeira metade do século XVI. Aqueles missionários levaram ao Japão os primeiros relógios europeus, que foram entregues como gentileza. Ademais, deram aulas de relojoaria; algo que permitiu aos japoneses fabricarem os seus próprios relógios - os wadokei 和時計 -, adaptados ao sistema de medição do tempo sino-japonês, no qual as horas são desiguais. Aqueles jesuítas também se encarregaram de exportar os primeiros objetos laqueados ao Ocidente. A aristocracia europeia obstinou-se fortemente pelos objetos laqueados, vindo a criar-se uma autêntica indústria japonesa de exportação de produtos adaptados expressamente aos gostos ocidentais. Na Europa causavam furor os gabinetes e salões decorados integralmente com móveis laqueados. Uma das coleções de objetos laqueados mais famosas é a da rainha Maria Antonieta (1755-1793), que a herdou da sua mãe, Maria Teresa de Áustria (1717-1780). A China também exportava objetos laqueados, mas os do Japão suscitavam tanto interesse entre os séculos XVII e XVIII que a palavra “Japão” se converteu em sinônimo de laca, da mesma forma que “China” é sinônimo de porcelana.
Nascimento da Zôhiko
Entre os séculos XVII e XIX, a laca democratizou-se. Os objetos laqueados, que no princípio estavam reservados para as camadas mais altas da sociedade, tornaram-se acessíveis para um setor mais amplo da população. Neste contexto, Yasui Shichibei abriu em 1661 a loja que posteriormente seria Zôhiko. Também foi naquele momento quando começou a cultivar-se um gosto pelos objetos pequenos, cuja preciosidade refletia o status social e a riqueza do seu proprietário. Esses objetos eram tão pequenos que podiam ser levados no cinto; daí o nome de sagemono, ou seja, “objetos suspensos”. Os mais cobiçados eram os recipientes para remédios ou selos, inrô 印籠, e as caixas para cachimbos; ambos serviram de base para o aperfeiçoamento das técnicas de laqueado.
Em 1868, depois de mais de dois séculos de isolamento, onde o contato com o exterior havia sido muito limitado, o Japão voltou a abrir-se ao mundo, especialmente ao Ocidente. A magnitude da onda de modernização e industrialização posterior ameaçava acabar com muitas tradições artesanais. Paradoxalmente, foi o entusiasmo dos estrangeiros por algumas dessas tradições - incluída a da laca - que permitiu a sua sobrevivência e o seu posterior ressurgimento.
O que é a laca autêntica?
A origem da laca é a seiva da árvore da laca, Rhus verniciflua. Uma árvore deve ter ao redor de dez anos para que a sua seiva possa ser recolhida. Realizam-se entre cinco a dez cortes horizontais no tronco e recolhe-se a espessa seiva acinzentada. O processo de extração da seiva de uma árvore pode repetir-se várias vezes ao ano, mas só se obtêm umas poucas dezenas de mililitros no total. A consistência da substância recolhida é similar à do látex, e a qualidade da seiva depende de muitos fatores, entre outros, a idade da árvore, o clima, a terra e a estação. A seiva é recolhida durante a Primavera e o Verão, mas a laca de maior qualidade consegue-se em Junho e Agosto e provém da parte central do tronco. Além de ser recolhida e processada separadamente, reserva-se para as camadas de laca superiores e para os acabamentos. A laca de menor qualidade é utilizada para as camadas inferiores.
Características. A laca tem propriedades químicas pouco comuns que a dotam de umas características muito específicas. Em primeiro lugar, tem a extraordinária particularidade de se secar somente em ambientes úmidos. Em estado puro, só se seca no caso de ser aplicada em camadas finíssimas; acima de 0,05 a 0,3 mm de espessura permanecerá parcialmente líquida sob a película endurecida da superfície. Uma vez seca, a laca é capaz de selar materiais porosos, como a madeira, o bambu, o papel ou tecidos, tornando-os assim totalmente resistentes à umidade, ao sal, ao calor, aos líquidos - incluído o álcool -, à comida e inclusive aos ácidos. Consequentemente, os recipientes laqueados resultam especialmente adequados para servir, armazenar e transportar comida e bebida. A laca também é um magnífico adesivo, inclusive para materiais diferentes. Utiliza-se como cola, especialmente para reparar objetos de cerâmica. A laca só tem um ponto fraco: a luz. No caso de se expor a uma luz muito forte, a laca perde cor, seca e decompõe-se.
A resistência, a solidez e a estabilidade da laca dependem fundamentalmente do número de camadas aplicadas ao objeto. Pode haver de dez a cem camadas, com espessuras de 0,8 a 1 mm. Se um acabamento com laca for de qualidade não se desgastará sequer depois de um par de séculos. Comparativamente, uma pintura a óleo começa a descascar-se aos dez anos e os vernizes químicos só conservam o brilho durante vinte ou trinta anos.
Química da laca. O endurecimento da laca constitui um processo de oxidação que nada tem a ver com a secagem ou a evaporação correntes. Os componentes principais da laca bruta são uma molécula anti-oxidante chamada urushiol e uma enzima, a lacase. Na presença de oxigênio, a lacase atua de catalisador da oxidação do urushiol e provoca o endurecimento permanente da laca bruta, que, no começo, é viscosa.
A laca líquida bruta é tóxica e produz fortes irritações na pele, sendo algumas pessoas imunes. A composição da seiva é a seguinte: 20% de água, 2% de lacase, 4% de goma e 74% de urushiol. Quanto maior a percentagem de urushiol mais dura será a laca. A dureza da laca é um sinal da sua qualidade superior. A percentagem especialmente elevada de urushiol que apresentam as árvores japoneses significa um benefício para as lacas do país. A seiva japonesa contém aproximadamente entre 70% e 80% de urushiol e 7% de goma, enquanto que no caso da seiva das árvores chinesas, vietnamitas e tailandesas, a proporção está ao redor de 50% de urushiol e 20% de goma.
Preparação. Uma vez retirada, a laca é armazenada num barril de madeira antes da sua refinação. Em primeiro lugar, filtra-se por um tecido para eliminar as impurezas e dar suficiente fluidez. Em seguida, elimina-se água da seiva por evaporação. Para o fazer, a seiva é armazenada dentre 12 a 24 horas em câmaras de secagem (muro, “sala”, ou urushiburo, “banho de laca”) a uma temperatura de 20 a 25 ºC e com uma umidade de 75% a 85%. As câmaras de secagem também servem para proteger os objetos do pó entre duas camada de laca.
Suportes. A laca refinada pode ser aplicada a muitos materiais, incluídos os têxteis, bambu, couro, cerâmica e metal. Por exemplo, as armaduras e os capacetes de samurai costumavam estar laqueados. Porém, o material de base principal sempre foi a madeira, geralmente a madeira com crescimento regular da fibra, dado que pode ser trabalhada até ficar muito fina. Por exemplo, a madeira do ulmeiro, keyaki 欅, pode ser deixada praticamente translúcida. Além da madeira do ulmeiro, a do cedro, sugi 杉, a do cipreste japonês, hinoki 檜, a da paulownia, kiri 桐, e a da magnólia, hônoki 朴, servem para este tipo de trabalho. Prepara-se a base alisando completamente todas as gretas e as superfícies desiguais com o fim de poder aplicar a laca a uma superfície completamente lisa. Os artistas da laca encarregam este trabalho a outros artesãos; no caso da madeira a marceneiros especializados em madeira ensamblada, torneada ou curvada, conforme o objeto.
Uma vez que se tenha preparado a base, o objeto está preparado para a aplicação das primeiras mãos de laca. Cada camada deve ser aplicada, seca e polida antes de adicionar a seguinte camada. As primeiras camadas são as mais grossas e as últimas as mais finas. A mesma coisa sucede com os abrasivos utilizados; os primeiros são os mais toscos e os últimos os mais finos. Depois destes passos orientados à proteção do objeto, pode começar a parte verdadeiramente decorativa do trabalho.
Técnicas. As técnicas de laqueado variam em função do país, da qualidade da laca e do uso que se dará aos objetos. No museu de Shosoin de Nara conservam-se ao redor de 150 objetos laqueados do século VIII, e só nesses objetos foram utilizados sete processos diferentes. Porém, as três categorias mais representativas da arte da laca são a gravura, a incrustação e o maki-e.
Características técnicas - Métiers d’Art – O simbolismo do laqueado
Série limitada de 20 conjuntos de três relógios ao ano
Referências
33222/000R-9506: Pinheiro e Grou
33222/000R-9517: Ameixeira e Rouxinol
33222/000G-9521: Bambu e Pardal
Calibre 1003 SQ, esqueleto, em ouro 14 quilates com tratamento de rutênio, desenvolvido e fabricado pela Vacheron Constantin, distinguido com o Selo de Genebra
Movimento mecânico, de carga manual
Espessura do movimento: 1,64 mm
Diâmetro do movimento: 20,80 mm
Rubis: 18
Frequência: 18.000 alternâncias/hora
Indicações: horas e minutos
Reserva de marcha: mais de 30 horas
Caixa
Ouro rosa 4N 18 quilates
Ouro branco 18 quilates
Diâmetro: 40 mm
Estanqueidade: testado a uma pressão de 3 atm, equivalentes a 30 metros
Mostradores: ouro 18 quilates laqueado em maki-e japonês
Pulseira: couro de jacaré preto, escamas quadradas e grandes, costurada à mão, com acabamento artesanal
Fecho: fivela em ouro rosa 4N 18 quilates ou em ouro branco 18 quilates, meia Cruz de Malta polida
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