“A vida deu-me muito mais do que alguma vez podia ter sonhado!”

Há 28 anos a centenária Ulysse Nardin era comandada por Rolf Schnyder. O aventureiro e empreendedor que deu um futuro ao passado único da manufatura desaparece inesperadamente aos 76 anos de idade.

Rolf Schnyder era uma figura muito conhecida no mundo relojoeiro. É a ele que se deve o renascimento da Ulysse Nardin, a casa relojoeira que adquiriu em 1983 em uma parceria com um grupo de investidores, e que através da sua peculiar visão passou a ocupar um lugar de destaque entre os nomes mais relevantes da relojoaria Suíça.

Fazendo uma retrospectiva da vida de Rolf Schnyder, os momentos e passagens que se descobrem assemelham-se mais a um conto de aventuras do que propriamente a uma biografia clássica. Schnyder foi mesmo o primeiro a admitir que o seu percurso de vida foi algo que lhe deu um enorme prazer. “Cresci em Zurique, na Suíça, e fui educado da mesma forma que uma grande maioria de rapazes Suíços dessa época, brincando, praticando ski e aprendendo rodeado pela beleza deste extraordinário país. No entanto eu tinha uma ambição que muitos outros não tinham, a de ver o que se escondia para lá das fronteiras que me rodeavam.”

Com apenas 22 anos de idade, Schnyder era contratado pela “Swiss Trading Company” e enviado para Banguecoque com a missão de distribuir relógios de construção Suíça na Tailândia. Uma viagem corajosa em direção a um Oriente que lhe era desconhecido e onde daria também início a uma odisseia pelo mundo da relojoaria destinada a estender-se por mais de 50 anos. Em 1968, Rolf Schnyder seria responsável pela fundação da primeira fábrica de relojoaria no extremo Oriente, encarregada de produzir componentes para relógios de precisão que posteriormente seriam exportados para a Suíça. Mais tarde fundaria ainda uma outra fábrica de construção de caixas de relógios em Manila e posteriormente uma unidade de produção de mostradores em Kuala Lumpur. A totalidade da produção destas unidades destinava-se à indústria relojoeira Suíça.

“Tinha encontrado a vida de aventura e exotismo que procurava, descobrindo lugares nos quais nenhum suíço tinha até então visitado. Aprendi a língua local, e percorri o país a vender relógios suíços iniciando-me como empreendedor. Era uma época em que esta região da Ásia era um território desconhecido para a maioria dos europeus, pelo que me foi permitido fazer coisas que atualmente são consideradas impossíveis. Construí uma jangada na fronteira da Birmânia e deixei-me levar pela corrente do famoso rio Kwai, acampei na praia em Phuket (numa altura em que não existiam hotéis), passei algum tempo no Laos e no Vietnam durante a guerra, visitei a China durante a revolução cultural, e muito mais. Percorri a região de ponta a ponta, passando pela Tailândia, Laos, Bali, Camboja, China, o sul do Vietnam, o Japão, e durante três meses velejei pelo Pacífico Sul através das ilhas Fiji, Tonga, Taiti e Bora Bora”.

Um dos aspectos bem característicos da intensa e preenchida vida de Rolf Schnyder foi a sua capacidade de unir os prazeres da vida com o trabalho árduo. Schnyder chegou a jogar Rúgbi pela equipe do Royal Bangkok Sports Club, organizou excursões de turistas europeus a regiões remotas da Tailândia e aos templos de Angkor Wat no Camboja, fundou empresas, colecionou antiguidades e aproveitou com toda a intensidade a sua condição de solteiro. “A vida tinha-me dado muito mais do que alguma vez podia ter sonhado, e durante este período, lancei as fundações para o futuro com uma especial atenção às oportunidades que me eram apresentadas, não desconsiderando em nenhuma ocasião a minha capacidade de avaliar riscos”.

Durante uma das suas visitas anuais à Suíça, Schnyder teve conhecimento de que a Ulysse Nardin estava à venda. Era o ano de 1983, em pleno período de crise da indústria relojoeira Suíça devido à chegada da era do quartzo. Naquela altura a Ulysse Nardin era pouco mais do que um simples invólucro sem conteúdo, mas com um nome famoso. “Adquiri a Ulysse Nardin com a firme convicção de que havia uma forte possibilidade de que a relojoaria mecânica, única e inovadora, pudesse vir ainda a vingar, e parece-me que estava certo”. Schnyder pôs de imediato mãos à obra, decidido a associar a marca à construção de relógios únicos e complicados, com um especial ênfase na inovação. Modelos como o Astrolabium Galileu Galilei, o Planetarium Copernicus, o Tellurium Johannes Kepler, o repetição de minutos com Jaquemart San Marco, o Freak, o Gengis Khan, o Moonstruck e muitos outros preencheram a partir dai o excepcional portfólio da manufatura, todos baseados em um denominador comum sempre raro, a inovação. Um aspecto em que, muito provavelmente, Schnyder foi um percursor na história contemporânea da relojoaria, e pelo qual foi reconhecido em 2003 através da atribuição do prestigiado Prêmio Gaia “Spirit of Enterprise”, atribuído pelo Museu Internacional de Relojoaria.

A Relógios & Relógios presta assim uma homenagem, que não deverá ser a última, a este visionário da relojoaria e que se estende também de forma especial à sua mulher Chai e aos seus três filhos. A comemoração dos seus 75 anos em 2010 deu origem a parte deste texto, que adaptamos do original publicado no final de 2010 na revista Portuguesa “12 – Exclusive Timepieces & Lifestyle”.